Os processos de recuperação judicial enfrentam constantes desafios para equilibrar os interesses das partes envolvidas, especialmente quando se trata dos créditos trabalhistas. Tais créditos possuem uma particularidade que os diferencia das demais dívidas contraídas pela sociedade empresária: sua natureza alimentar. Por isso, a legislação brasileira estabelece garantias específicas para que os trabalhadores não sejam prejudicados de forma desproporcional durante esses procedimentos.
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A Lei nº 11.101/2005, mais conhecida como LREF (Lei de Recuperação e Falência), define que o pagamento dos créditos trabalhistas deve ocorrer no prazo máximo de um ano a partir da aprovação do plano de recuperação judicial. Contudo, com a reformulação legislativa promovida pela Lei nº 14.112/2020, permitiu-se a possibilidade de estender esse prazo para até dois anos adicionais, totalizando um período de três anos, desde que sejam cumpridos determinados requisitos. Essa alteração trouxe maior flexibilidade às negociações, incorporando medidas que garantem a integridade do pagamento, respeitando ainda a aprovação pelos credores dessa classe e a apresentação de garantias consideradas suficientes pelo juiz.
Implicações do deságio nos créditos trabalhistas
Embora a legislação tenha avançado em termos de prazos e condições para pagamentos, a questão do deságio nos créditos trabalhistas continua a gerar discussões. O deságio — redução no valor original de um crédito — não foi explicitamente regulamentado pela LREF, o que cria uma zona cinzenta para empresas e credores. Considerando esse vazio legal, algumas decisões judiciais passaram a admitir a possibilidade de aplicar descontos nos valores a serem pagos, desde que respeitadas determinadas condições.
Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 2.110.428/SP, foi dada legitimidade à inclusão de cláusulas prevendo deságio em créditos trabalhistas, desde que os pagamentos sejam realizados no prazo de um ano, conforme a regra original da LREF. O entendimento do tribunal fundamenta que a concessão de prazos mais extensos é condicionada à integralidade do pagamento, mas, ao optar pelo menor prazo (um ano), a possibilidade de descontos estaria dentro da margem de negociação do plano aprovado.
Essa interpretação chama a atenção, pois, embora permita maior viabilidade para empresas em dificuldade financeira, também pode impactar diretamente o montante devido a trabalhadores, possivelmente afetando aqueles que mais dependem de tais recursos. A discussão, desse modo, centraliza-se em equilibrar a proteção de direitos trabalhistas com a continuidade de operações da empresa.
Condições e limites para flexibilização
O ponto de equilíbrio, segundo os magistrados e especialistas, está em assegurar que qualquer negociação, seja ela envolvendo extensão de prazos ou deságio, passe pelo crivo da aprovação dos credores e pelo controle judicial. Além disso, os planos devem garantir:
- Prova da sustentabilidade do pagamento: A apresentação de garantias econômicas pelo devedor.
- Quórum legal de aprovação: Os credores da Classe 1 (trabalhistas) devem aprovar a proposta de forma expressa.
- Transparência no processo: Toda negociação deve ser consistente com o plano e submetida à supervisão do juízo recuperacional.
Ainda com avanços na legislação e decisões judiciais recentes, cresce a necessidade de cautela ao flexibilizar direitos devido à vulnerabilidade intrínseca dos trabalhadores perante a instabilidade financeira de seus empregadores. Enquanto isso, o mercado jurídico discute como consolidar um modelo que viabilize tanto o pagamento proporcional quanto a recuperação econômica das empresas, minimizando prejuízos de ambas as partes.
O debate mostra que, apesar de avanços, ainda há um longo caminho para consolidar entendimentos mais unificados sobre o tratamento dos créditos trabalhistas.
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Redação
Redação jornalística da Elias & Cury Advogados Associados.